Fundos de previdência devem ter transparência

Chefe da Previc vê sinais de melhora nas entidades de previdência, que têm deficit de R$ 73 bilhões, mas pede atenção aos participantes

Fundos devem ter transparência, analisa José Roberto FerreiraSupervisionar os 307 fundos de pensão do país é a tarefa do economista José Roberto Ferreira, chefe da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Com um deficit acumulado de R$ 73,2 bilhões até o 1º trimestre de 2016, as entidades fechadas de previdência devem manter o resultado negativo até dezembro. Apesar disso, ele avalia que a melhora das expectativas do mercado e a valorização dos ativos na Bolsa de Valores de São Paulo têm potencial para reverter esse quadro no próximo ano, caso o governo ajuste as contas públicas.

Em meio aos desafios para reduzir os resultados negativos, Ferreira avalia que os participantes precisam ficar atentos a tudo que acontece nos fundos. “Eles não precisam se preocupar de maneira demasiada, mas não podem entrar em zona de conforto, tendo em vista que são os principais interessado no assunto”, comentou, em entrevista concedida na sede da Previc, em Brasília.

Para ele, quem contribui mensalmente para complementar a renda no momento da aposentadoria deve buscar informações nas fundações para saber o que levou ao eventual resultado negativo. “Transparência é um direito do participante e uma obrigação da entidade. Ela precisa prestar as informações. Os atos em geral, embora de natureza privada, têm que ser públicos”, destacou.

O chefe da Previc alertou que tem acompanhado com lupa as mudanças nas entidades patrocinadas por estatais. E afirmou que a autarquia pode ser acionada pelos beneficiários quando qualquer problema acontecer.

Os participantes dos fundos de pensão devem se preocupar com a possibilidade de novos deficits?

Eles precisam ficar atentos. Não precisam se preocupar de maneira demasiada, mas não podem entrar em zona de conforto, tendo em vista que são os principais interessados no assunto.

Os resultados dos fundos de pensão apresentaram alguma melhora após o deficit de R$ 78,8 bilhões acumulado em 2015?

No primeiro trimestre de 2016, houve sinais de melhoria. Houve uma redução de 10% no número de planos em equilíbrio e aumento de 13% no de superavitários. O superavit consolidado passou de R$ 13,8 bilhões para R$ 15,2 bilhões. Já o total de planos deficitários cresceu em escala menor, de 5,3%. E o deficit acumulado caiu para R$ 73,2 bilhões.

O momento político tem influenciado os mercados, com a valorização dos ativos  financeiros. Isso tem favorecido os fundos?

Sim. Apesar do cenário desafiador, quando traçamos uma curva de tendência, é possível ver um início de inflexão. Nos últimos três exercícios, os resultados dos fundos foram negativos; agora, é o primeiro momento em que se percebe uma mudança nessa curva.

De maneira prática, 2016 ainda será um ano de deficits e o próximo tende a ser melhor?

Há elementos para esse cenário se confirmar. Nosso grande desafio é bater a meta atuarial, sob o aspecto financeiro, e ter um controle sobre longevidade. Quanto à longevidade, isso já é feito no dia a dia por meio da busca pelas aderências adequadas em cada um dos planos de benefícios. Sobre o aspecto financeiro, há uma tendência de redução brusca da inflação no próximo exercício. Em termos de juros, o mercado vê perspectiva de voltarmos a trabalhar com taxas de um dígito no fim de 2017.

Com a mudança de governo, houve troca no comando de estatais e, consequentemente, nos fundos de pensão. Mas alguns problemas têm ocorrido durante esse processo. Como a Previc atuará nesses casos?

O acompanhamento tem sido estreito, próximo e objetivo. Neste momento (a entrevista foi concedida na tarde da última quarta-feira), o diretor de Fiscalização participa de uma reunião do conselho deliberativo de uma entidade para tratar de uma eventual revisão na composição da diretoria executiva. O ajuste que ocorreu há alguns dias, na nossa visão, foi equivocado e precisamos retificar esse entendimento. Alterações na direção de estatal, por vezes, provoca influência na diretoria executiva dos fundos. Mas quem referenda ou não essa troca é o conselho deliberativo, que tem estabilidade, mandato e autonomia.

E como o participante deve participar desse processo?

Ele deve buscar os interesses dele. Transparência não é só um direito do participante, é uma obrigação da entidade. Os atos em geral, embora de natureza privada, têm que ser públicos para o participante. Claro que a operações em curso, por questão de sigilo e interesse da entidade, não cabe dar publicidade. Mas, tão logo seja concluída uma operação, é necessário que o participante tenha acesso aos dados. Os fundos têm obrigação de prestar informações. Se houver dificuldade, a Previc pode ser acionada. Nosso papel é o de proteger o interesse do participante.

“A qualificação da governança é importante. Quanto mais profissionais qualificados no conselho e na diretoria, melhor”

O Congresso Nacional discute mudanças na legislação dos fundos de pensão. O que o texto traz de positivo?

A qualificação da governança é importante. Algumas associações — de participantes e de entidades — têm questionado a figura de um agente externo nos conselhos ou na diretoria executiva dos fundos. Para elas, deve ser preservada a representação dos participantes e patrocinadores. Em nossa opinião, todo processo que possa trazer maior qualificação é positivo. Quanto mais profissionais qualificados no conselho e na diretoria, melhor. Essa é a essência. Após garantir a qualificação, se houver a possibilidade de esse profissional qualificado ser um participante do plano ou indicado pelo patrocinador, ótimo. Mas, se ele não tiver os atributos de qualificação, não julgamos adequado.

E como seria esse processo de recrutamento de profissionais?

O texto menciona um processo público. Não se pode confundir com concurso público, que não se aplica a uma entidade privada. Deve ser um processo de recrutamento amplo para qualquer representante dos participantes, dos empregados e do patrocinador.

Quais são os pontos preocupantes do projeto de lei?

A tentativa de que o comitê de investimentos e a auditoria externa sejam alçados a órgãos estatutários. Pela lei, teriam o mesmo destaque que o conselho deliberativo, o conselho fiscal e a diretoria executiva. A estrutura estatutária seria ampliada. Nossa preocupação é em relação a quesitos de responsabilidade. Pode haver uma área sombra e conflito de competências. Eles têm um caráter de assessoria, tendo em vista que quem responde pela gestão é a diretoria executiva. Em relação à auditoria externa, é preciso delimitar melhor o seu papel, até porque já existe um conselho fiscal.

Algumas normas podem afetar a Previc?

O projeto fala em estabelecer mandato para os diretores da Previc. No nosso ponto de vista, tudo que vier para aperfeiçoar o modelo de governança das entidades de supervisão é bem-vindo. Só ressaltamos que, desde sua criação, a Previc trabalha como órgão de Estado. Variáveis de natureza política não têm tido influência. Pela autonomia administrativa e financeira conferida por lei, não existe a possibilidade de um ato administrativo da Previc ser reformado por qualquer autoridade.

O projeto blindará as entidades de ingerências políticas?

No nosso ponto de vista, sim. Há dois pontos. O primeiro trata da eventual vinculação político-partidária de dirigentes e oferece um prazo de desvinculação de dois anos. E a mesma coisa para cargos de confiança exercidos no patrocinador.

O governo também enviou ao Congresso uma proposta para que a Funpresp seja autorizada a administrar planos de benefícios para estados e municípios. A medida é interessante?

Ela é interessante, relevante e fundamental para as discussões em curso, já que pode ser inserida em uma estratégia de reforma da Previdência. Seja por uma espécie de efeito compensação, seja por necessidade de transição entre regimes, o fato é que os desafios do regime geral não são menores do que o dos regimes próprios dos servidores públicos. A ideia de ter uma entidade única que administre vários planos é convergente do ponto de vista de escala. Nem todos os estados e municípios têm condições de administrar seu próprio fundo de pensão.

Antonio Temóteo

Fonte – Correio Braziliense

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